#04 - Jornal da Semana

Entre plantões, estudos, estágios e a constante pressão de produzir... às vezes parece que estamos apenas cumprindo checklists. Mas e se, de repente, o que sempre foi "critério" deixar de contar?

Bom dia, leitor(a)!!

Você já parou para pensar no que realmente faz sentido na sua formação?

Entre plantões, estudos, estágios e a constante pressão de produzir... às vezes parece que estamos apenas cumprindo checklists. Mas e se, de repente, o que sempre foi "critério" deixar de contar?

Essa é a realidade que começa a se desenhar com a nova proposta do ENARE.

Não precisa seguir a ordem.
Clique no tema que mais te chamou atenção e mergulhe na leitura:

#01 -ENARE sem currículo: fim da meritocracia ou começo da justiça?

A partir da edição 2025/2026, a análise curricular será retirada do Exame Nacional de Residência Médica (ENARE), conforme anunciado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). A decisão foi tomada após adversidades na correção e divulgação da análise curricular na edição anterior, incluindo relatos de pontuações incorretas e documentos não considerados.

Essa mudança levanta questionamentos sobre o equilíbrio entre mérito acadêmico e justiça no processo seletivo. Por um lado, a análise curricular valorizava atividades extracurriculares, como ligas acadêmicas e publicações científicas, incentivando uma formação mais ampla. Por outro, surgiram práticas questionáveis, como a comercialização de certificados e a automatização de currículos, que comprometem a equidade do processo

(Ah, as "máfias do currículo"… quem nunca ouviu falar nelas em sussurros de corredor?)

A filósofa Hannah Arendt nos alertava sobre a banalização do mal — quando o questionável se torna comum, quase automático. Michel Foucault, por sua vez, nos lembrava que o poder se infiltra nas estruturas e molda comportamentos. Neste cenário, o currículo virou estratégia. A formação, tática. A experiência real? Nem sempre vinha junto.

E então, o corte.
Resta apenas a prova. Objetiva. Iguais condições para todos.
Mas será mesmo?

Sem o peso das experiências extracurriculares, o que, de fato, será valorizado na formação médica?
Será a habilidade de decorar conteúdos em alta velocidade? A resistência à pressão de uma tarde de avaliação?
E quanto à dedicação às ligas acadêmicas, à pesquisa científica, à prática extensionista no SUS — tudo isso agora contará menos?

Estamos corrigindo uma distorção — ou apenas deslocando o problema para uma nova zona de conforto?
Estamos nivelando as oportunidades — ou apenas mascarando as desigualdades que já existiam?

O que define um bom médico: a pontuação de uma prova ou o percurso de uma trajetória?

Talvez não estejamos diante de uma resposta. Talvez estejamos apenas trocando de pergunta.
Talvez o desafio maior não seja apenas como avaliamos, mas o que escolhemos valorizar.

Texto escrito por Luiz.E.M.Freire

#02 - O Teatro da Excelência Acadêmica

De longe, a faculdade de medicina ainda parece aquele lugar respeitável: gente estudiosa, jaleco branco bem passado, livro de anatomia debaixo do braço. De perto, é outra história. A medicina universitária virou um mercado livre, onde cada um vende o que tem — ou o que consegue inventar — para se manter na vitrine.

Por aqui, o estudo de verdade virou quase um capricho pessoal. O que manda é quem sabe montar currículo como quem monta uma árvore de Natal: cheio de enfeites, luzinhas piscando, mas, no fundo, vazio. A regra é clara: quem joga o jogo sobe, quem não joga, vira escada.

E o jogo é simples: pagar para assinar artigo que você nem leu, entrar na liga certa bajulando quem precisa ser bajulado, criar projetos sociais de fachada e bater foto com jaleco em evento vazio só para postar no Instagram. O importante não é o que você é, nem o que você sabe, é o que você consegue fazer parecer.

Quanto às pesquisas científicas, virou piada interna. Tem o autor fantasma — que nunca pisou no laboratório. O autor pix — que manda um agrado no privado e ganha assinatura. E o autor decorativo — que aparece no final para dar "boa noite" no grupo do whatsapp e garantir o nome na publicação.

E o sistema? Bom, até o ENARE, aquele processo seletivo que ainda tentava manter alguma pose, cansou de fazer de conta. Mandaram um recado simples e direto: chega de análise curricular. Currículo, hoje, virou terreno minado. Para cada aluno que suou para conquistar cada linha, aparecem cinco que compraram os mesmos pontos com dinheiro ou conchavo. Em vez de investigar quem é quem, resolveram cortar o mal pela raiz: todo mundo agora vai para a prova. E pronto.

A choradeira veio logo em seguida: "Gastei tanto pra construir meu currículo..." Pois é. Talvez o erro tenha sido confundir construção com encenação.

Mas, justiça seja feita: ninguém aqui é vítima. O ambiente inteiro funciona nesse esquema. As ligas viraram clubes fechados. Os grupos de pesquisa, vitrines para meia dúzia de escolhidos. Até os eventos acadêmicos — aqueles simpósios que prometem mudar sua vida — não passam, muitas vezes, de bailes de gala para quem aprendeu a desfilar jaleco com cara de sabichão.

Enquanto isso, o estudante que resolve estudar mesmo — aquele que acorda cedo, que fica até tarde revisando protocolo, que tenta entender de verdade a medicina, esse vai vendo os espertos subirem pelas escadas rolantes da esperteza.

O mais engraçado é que, no fundo, todo mundo sabe. Ninguém é enganado. Ninguém é puro. É só uma peça encenada onde todos fingem que acreditam, enquanto olham de rabo de olho para o próximo atalho.

No final, forma-se o novo tipo de médico: não o que domina a arte de curar, mas o que domina a arte de se promover. Não o que escuta o paciente, mas o que decora protocolo. Não o que se suja no pronto-socorro, mas o que brilha no currículo.

E assim caminha a medicina acadêmica: entre dancinhas de redes sociais, jalecos impecáveis e diplomas que, muitas vezes, cobrem menos do que revelam.

A medicina virou, para muita gente, apenas mais um palco. E a doença — essa sim — continua acontecendo no mundo real, alheia às poses, indiferente aos currículos.

Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

#03 - 🚨 ENARE Sem Currículo, Mas o Jogo Ainda Não Acabou: O Que Realmente Importa?

Agora, é hora de ir além: entender que, embora o ENARE tenha abandonado o currículo como critério, o jogo da formação profissional está longe de ter terminado.

A pressão por currículos robustos continua viva em diversos outros processos seletivos, como o PSU-GO, SES-DF, PSU-MG, HIAE, USP-SP e tantos outros. Neles, a lista de ligas, estágios, iniciações científicas e certificações ainda define quem avança. A lógica do checklist persiste, e para quem quer brigar pelas melhores oportunidades, ignorá-la é uma ingenuidade.

Mas talvez este seja o melhor momento para refletir: o que realmente constrói um bom médico? O que realmente importa na trajetória de quem escolhe cuidar da vida humana? A resposta é simples: não é o número de certificados que você acumula, mas a profundidade com que você se compromete a aprender, evoluir e servir.

A armadilha do checklist é sedutora. Fazer liga? ✓. Publicar artigo? ✓. Assinar projeto social? ✓. Participar de congresso? ✓. Mas a vida real não é feita de caixas marcadas. Quando o paciente chega, ele não pergunta se você tem diploma de evento. Ele quer competência, acolhimento e decisão segura. Quando a comunidade precisa, ela não quer saber quantas horas de curso extracurricular você registrou. Ela precisa de alguém que esteja pronto para agir, não apenas posar.

Currículo ainda pesa. Em muitos processos seletivos, vai continuar pesando. Mas na vida, pesa mesmo é quem você é de verdade. A formação sólida, o raciocínio clínico afiado, a ética inegociável, a capacidade de enfrentar situações novas com coragem e discernimento — é isso que sustenta um profissional no mundo real. E isso não se compra, não se falsifica, não se improvisa.

O ENARE mudou, mas o desafio para quem quer fazer história na medicina permanece: construir uma trajetória autêntica, onde as conquistas sejam consequência natural do esforço, da entrega e do propósito.

 Que a ausência da análise curricular não nos faça esquecer que, muito além das provas, o verdadeiro currículo é aquele que você carrega dentro — feito de caráter, competência e coragem.

🔗 Saiba mais sobre o fim da análise curricular no ENARE:
Como funciona a Análise Curricular do Enare

Texto escrito por Luiz.E.M.Freire

#04 - A morte do Papa Francisco: quando a complexidade clínica vence a medicina moderna

A notícia do falecimento do Papa Francisco, aos 88 anos, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) fulminante seguido de insuficiência cardíaca irreversível, transcende a comoção mundial: ela traz à tona discussões fundamentais sobre o envelhecimento, a fragilidade e os limites da medicina contemporânea.

Francisco carregava consigo um histórico robusto de fatores de risco: hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus tipo 2, bronquiectasias e episódios prévios de insuficiência respiratória aguda. Cada uma dessas condições, isoladamente, já aumenta o risco cardiovascular e cerebrovascular. Quando associadas — cenário conhecido como polipatologia — criam um ambiente fisiológico permanentemente instável, no qual qualquer desequilíbrio pode precipitar eventos catastróficos.

Estudos demonstram que a coexistência de hipertensão e diabetes dobra o risco de AVC isquêmico e multiplica a chance de insuficiência cardíaca. Além disso, doenças pulmonares crônicas, como as bronquiectasias, comprometem a troca gasosa, levando à hipóxia intermitente e à sobrecarga do ventrículo direito, fator agravante em pacientes com insuficiência cardíaca já instalada.

O acidente vascular cerebral no idoso, particularmente em octogenários com múltiplas comorbidades, costuma ser menos uma surpresa e mais a culminação previsível de um processo patológico silencioso. Segundo dados do Global Burden of Disease Study, o AVC permanece a segunda principal causa de morte no mundo, com incidência crescente na população acima de 80 anos.

Do ponto de vista fisiopatológico, a combinação de HAS de longa data e disfunção endotelial diabética gera um ambiente propício para aterosclerose acelerada e microangiopatia cerebral — dois pilares clássicos no mecanismo de isquemia cerebral. A insuficiência cardíaca associada compromete a perfusão cerebral crônica, o que, por sua vez, reduz a reserva hemodinâmica e aumenta a vulnerabilidade a eventos isquêmicos súbitos.

No caso do Papa Francisco, o cenário era ainda mais grave: a insuficiência cardíaca irreversível não apenas impedia a recuperação após o AVC, como provavelmente já limitava de forma crítica o fornecimento sanguíneo ao cérebro.

A trajetória clínica do Papa Francisco ilustra uma verdade muitas vezes desconfortável para médicos e estudantes de medicina: há limites que a ciência não ultrapassa. Apesar dos avanços em farmacologia cardiovascular, monitorização intensiva e suporte ventilatório, a progressão natural do envelhecimento biológico, associada à carga acumulada de doenças crônicas, ainda se impõe.

Mesmo em contextos de excelência médica, a expectativa não deve ser a cura — mas a promoção da qualidade de vida, o controle dos sintomas e, nos momentos finais, uma abordagem digna e compassiva baseada nos princípios da medicina paliativa.

A morte do Papa Francisco não foi apenas o encerramento de um pontificado, mas também um lembrete da complexidade da medicina geriátrica. Envelhecer, afinal, é navegar em um terreno onde múltiplos sistemas falham simultaneamente, e onde a missão do médico se transforma: de adiar o desfecho inevitável para suavizar sua chegada.

Sugestão de leitura:

Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

#05 - Insulina de Aplicação Semanal: Uma Nova Realidade para o Tratamento do Diabetes

A aprovação da insulina icodeca (nome comercial: Awiqli) pela Anvisa representa um marco na terapêutica do diabetes mellitus tipo 1 e 2 no Brasil. Desenvolvida pela Novo Nordisk, essa insulina basal de ação ultralonga permite uma única aplicação subcutânea semanal, oferecendo uma alternativa às tradicionais aplicações diárias.

Mecanismo de Ação

A icodeca é uma insulina modificada com uma meia-vida de aproximadamente 196 horas (cerca de 8 dias), atribuída à sua forte ligação reversível à albumina plasmática. Essa característica permite uma liberação lenta e contínua da insulina na circulação, proporcionando um controle glicêmico estável ao longo da semana. Além disso, a icodeca possui afinidade reduzida pelo receptor de insulina, o que contribui para uma ação mais prolongada e previsível.

Eficácia Clínica

A eficácia da icodeca foi avaliada no programa de estudos clínicos ONWARDS, que incluiu pacientes com diabetes tipo 1 e 2. Os resultados demonstraram que a icodeca é não inferior às insulinas basais diárias, como a glargina e a degludeca, no controle da hemoglobina glicada (HbA1c). Em pacientes com diabetes tipo 2, a icodeca mostrou-se eficaz tanto em indivíduos insulina-naïve quanto naqueles previamente tratados com insulina basal.

Segurança e Eventos Adversos

A hipoglicemia foi o evento adverso mais comum observado nos estudos clínicos com a icodeca. Em pacientes com diabetes tipo 1, a incidência de hipoglicemia clinicamente significativa foi ligeiramente superior à observada com a insulina degludeca. No entanto, em pacientes com diabetes tipo 2, as taxas de hipoglicemia foram comparáveis às das insulinas basais diárias.

Implicações para a Prática Clínica

A introdução da icodeca no arsenal terapêutico oferece uma opção promissora para melhorar a adesão ao tratamento, especialmente em pacientes com dificuldades em manter regimes de múltiplas aplicações diárias. A conveniência de uma aplicação semanal pode reduzir a inércia clínica associada ao início da insulinoterapia e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Contudo, é essencial que os profissionais de saúde estejam atentos às particularidades da icodeca, incluindo seu perfil farmacocinético, potencial de hipoglicemia e necessidade de ajustes de dose individualizados. A educação do paciente e o monitoramento contínuo são fundamentais para maximizar os benefícios dessa nova terapia.

Em resumo, a icodeca representa um avanço significativo na gestão do diabetes, combinando eficácia, segurança e conveniência. Sua incorporação na prática clínica requer uma abordagem cuidadosa e personalizada, visando otimizar os resultados terapêuticos e a satisfação do paciente.

Sugestão de leitura:

Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

#06 - Ansiedade e Depressão: A Outra Crise na Formação Médica

O percurso para se tornar médico é, reconhecidamente, um dos mais desafiadores no meio acadêmico. No entanto, por trás da nobre missão de cuidar da saúde do outro, esconde-se uma realidade preocupante: a alta prevalência de transtornos mentais entre estudantes de medicina.

Um panorama detalhado foi traçado pelo artigo "Depression and Anxiety Among Medical Students: A Brief Overview", publicado na revista Advances in Medical Education and Practice . De acordo com a revisão, a prevalência de depressão entre estudantes de medicina varia de 1,4% a 73,5%, enquanto a ansiedade atinge entre 7,7% e 65,5% dos alunos — variações que refletem diferenças culturais, metodológicas e de contexto socioeconômico entre os estudos analisados.

Esses números, alarmantes por si só, tornam-se ainda mais preocupantes ao se considerar que a média global de depressão na população geral é de aproximadamente 4,4%, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Isso significa que, em alguns contextos, estudantes de medicina estão até 16 vezes mais propensos a desenvolver depressão.

A análise destaca uma série de fatores de risco que favorecem o desenvolvimento desses transtornos:

  • Gênero: Estudantes do sexo feminino apresentam taxas mais altas de depressão e ansiedade.

  • Pressão acadêmica: A carga horária intensa, a competição interna, a pressão para obter boas notas e a falta de feedback adequado são gatilhos constantes.

  • Fatores socioeconômicos: Dificuldades financeiras, viver longe da família e origens rurais aumentam o risco de sofrimento mental.

  • Histórico familiar: Presença de transtornos mentais na família é um fator adicional de vulnerabilidade.

Curiosamente, o estudo também aponta que o primeiro e o terceiro anos do curso de medicina são os períodos críticos, onde se observa um pico nos sintomas de depressão e ansiedade. No primeiro ano, predomina a dificuldade de adaptação; no terceiro, a pressão clínica e a carga de responsabilidades aumentam consideravelmente.

A depressão e a ansiedade não impactam apenas a qualidade de vida do estudante. Elas têm efeitos diretos no desempenho acadêmico, na capacidade de empatia, na construção de relações interpessoais e, mais tarde, na prática médica. Um futuro médico emocionalmente exaurido é mais propenso a cometer erros, apresentar burnout e desenvolver relações frias ou distantes com seus pacientes — um risco que transcende o indivíduo e atinge a qualidade do sistema de saúde como um todo.

Além disso, estudos mostram que estudantes de medicina relutam em buscar ajuda psicológica, muitas vezes por medo de estigmatização ou de impactos negativos em sua carreira futura . Esse ciclo de silêncio apenas agrava o problema, transformando o sofrimento em algo invisível dentro das instituições.

O modelo atual de formação médica precisa ser questionado. Se a excelência acadêmica continuar sendo cobrada à custa do bem-estar dos alunos, estaremos perpetuando uma lógica de produção de médicos técnicos, mas emocionalmente vulneráveis.

Programas de apoio psicológico, tutoria entre pares, carga horária humanizada e ambientes acadêmicos mais acolhedores não são luxos: são necessidades estratégicas para formar médicos plenos, capazes de cuidar não apenas da doença, mas do ser humano em sua totalidade.

Em 2020, a Associação Americana de Faculdades de Medicina (AAMC) já alertava: o bem-estar do estudante deve ser tratado como um pilar estrutural da educação médica, e não como um adendo opcional. Iniciativas de mindfulness, grupos de apoio e monitoramento de saúde mental estão sendo implementadas em várias universidades.

A depressão e a ansiedade entre estudantes de medicina não são fragilidades individuais, mas sintomas de um sistema de formação que precisa ser urgentemente repensado. Se desejamos formar médicos capazes de cuidar da saúde do outro, precisamos primeiro garantir que eles possam cuidar de si mesmos.

Afinal, como ensinar a preservar vidas quando estamos falhando em proteger a saúde de quem escolheu essa missão?

Artigo:

Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

#07- Responsabilidade e complexidade da cirurgia robótica no Brasil

A cirurgia robótica representa um marco na medicina moderna, permitindo procedimentos minimamente invasivos com maior precisão, controle, menor perda sanguínea, redução do tempo de internação e recuperação mais rápida dos pacientes. Desde sua introdução, seu uso se expandiu globalmente, e o Brasil não está fora desse cenário. Com a crescente presença dos procedimentos robóticos na prática médica, torna-se imprescindível compreender as responsabilidades e complexidades envolvidas nas cirurgias assistidas por tecnologia. Nesse contexto, a regulamentação da cirurgia robótica no Brasil foi estabelecida pela Resolução CFM nº 2.311/2022, emitida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). De acordo com essa normativa, a cirurgia robótica é definida como uma modalidade de tratamento cirúrgico realizada por via minimamente invasiva, aberta ou combinada, indicada apenas para doenças cuja eficácia e segurança já tenham sido comprovadas, sendo considerada um procedimento de alta complexidade. A regulamentação impõe diversas exigências para a prática, entre as quais se destacam:

  1. Possuir Registro de Qualificação de Especialista (RQE) na área cirúrgica correspondente;

  2. Ter realizado treinamento específico em cirurgia robótica, seja durante a residência médica, seja por meio de capacitação reconhecida;

  3. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE);

  4. Hospitais de alta compexidade. Além disso, para a prevenção de complicações legais, é essencial: • A realização de treinamento adequado; • O desenvolvimento de diretrizes claras para a execução dos procedimentos; • A transparência na comunicação com os pacientes; • A manutenção e atualização rigorosa dos equipamentos utilizados.

Texto escrito por Lumma David G. Souza

#08 - Apagão na Europa expõe vulnerabilidades no sistema de saúde

Na manhã desta segunda-feira, 28 de abril de 2025, a Europa testemunhou um dos maiores apagões de sua história recente. Portugal e Espanha foram os países mais afetados, mas falhas de energia também atingiram partes da França, Alemanha, Polônia, Finlândia e até do Marrocos. A origem do incidente ainda está sob investigação, e embora as autoridades portuguesas inicialmente tenham levantado a hipótese de um ciberataque, até o momento não há confirmação oficial de que a falha tenha sido provocada por ação criminosa.

A interrupção abrupta no fornecimento de energia elétrica desencadeou uma série de consequências severas para a infraestrutura urbana, os transportes e, de maneira particularmente sensível, para o setor de saúde. Hospitais e unidades de pronto-atendimento, dependentes de energia contínua para manter a vida de milhares de pacientes, foram forçados a ativar seus protocolos de contingência em questão de minutos.

Como os hospitais estão lidando com a crise

As instituições hospitalares reagiram prontamente para proteger as áreas mais críticas. Geradores de emergência foram acionados para garantir o funcionamento de unidades de terapia intensiva, centros cirúrgicos, salas de emergência e sistemas de suporte vital. Hospitais de grande porte, como o Hospital de Santa Maria em Lisboa e o Hospital de São João no Porto, suspenderam todas as consultas externas, exames programados e cirurgias eletivas. O foco passou a ser exclusivamente o atendimento a casos de urgência e emergência.

Hospitais privados, como os das redes Luz Saúde e CUF, adotaram a mesma medida. Muitas unidades redirecionaram suas equipes para setores críticos, reorganizaram leitos e estabeleceram fluxos de atendimento mais rígidos para racionalizar o uso dos recursos disponíveis.

Apesar da rápida resposta, a operação sob geradores impõe uma série de limitações: a capacidade energética é reduzida e, em alguns casos, apenas setores absolutamente essenciais conseguem se manter ativos. Laboratórios internos, equipamentos de imagem de alta demanda energética e sistemas de informação hospitalar sofreram paralisações temporárias.

Impactos diretos na assistência e na segurança dos pacientes

A falta de energia afetou gravemente a conservação de medicamentos termossensíveis, como vacinas, insulinas e hemoderivados. Farmácias hospitalares e comunitárias lutaram para manter a cadeia de frio, recorrendo a unidades refrigeradas de emergência, ainda assim, o risco de perda de estoques é elevado, principalmente em instituições menores e em regiões periféricas.

O acesso a medicamentos também foi prejudicado pela indisponibilidade de sistemas de prescrição eletrônica, obrigando médicos e farmacêuticos a retomarem procedimentos manuais, mais lentos e suscetíveis a erros.

Serviços de ambulância e emergências médicas, como o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) em Portugal, passaram a operar em modo de restrição. A orientação oficial foi para que a população utilizasse o número de emergência 112 apenas em casos realmente graves, a fim de evitar a sobrecarga do sistema.

Pacientes em hemodiálise, em ventilação mecânica domiciliar ou que dependem de monitorização contínua também enfrentaram situações de risco, exigindo respostas rápidas de equipes de emergência para transferências ou suporte alternativo.

Reflexão e aprendizado

O apagão europeu expôs, de maneira dolorosa, a fragilidade das infraestruturas de saúde frente a colapsos energéticos de grande escala. Embora os hospitais tenham demonstrado resiliência notável, o evento reforça a necessidade urgente de revisitar e aprimorar planos de contingência, investir em sistemas de geração de energia autônoma mais robustos, além de repensar a segurança das cadeias logísticas de medicamentos e insumos médicos.

A dependência cada vez maior de tecnologia — de registros eletrônicos a equipamentos de monitorização avançados — traz inúmeros benefícios à prática médica moderna, mas também implica riscos severos quando esses sistemas falham. A medicina contemporânea precisa estar preparada não apenas para operar em alta tecnologia, mas também para garantir a continuidade do cuidado em cenários extremos como o atual.

Neste momento, as autoridades europeias continuam trabalhando para a recuperação completa do sistema elétrico. Enquanto isso, milhares de profissionais de saúde seguem na linha de frente, garantindo que, mesmo na escuridão, a vida continue sendo preservada.

Reflexão Final: Estamos realmente prontos para salvar vidas em um mundo onde a próxima crise pode ser tão simples – e tão devastadora – quanto um apagão?

Texto escrito por Luiz.E.M.Freire e Pedro Henrique M. Braga

#09- Ataque de onça no Pantanal: Quando a Medicina Forense vai além da cena do crime

O Brasil foi surpreendido nesta semana por uma notícia triste e rara: Jorge Ávalo, caseiro de uma fazenda no Pantanal sul-mato-grossense, foi fatalmente atacado por uma onça-pintada. Após dias de buscas, o felino foi capturado e passou a ser investigado — não apenas como parte de um protocolo ambiental, mas dentro de um processo técnico e criterioso da medicina forense.

A título de curiosidade, a medicina forense é a especialidade médica responsável por aplicar conhecimentos da medicina ao esclarecimento de crimes, acidentes e mortes suspeitas. Seu papel vai muito além de autópsias: ela combina saberes clínicos, laboratoriais e biológicos para reconstruir eventos, identificar vítimas e autores e revelar a dinâmica de lesões ou mortes.

No caso específico envolvendo ataques de animais, a medicina forense atua em duas frentes:

  1. Medicina Legal Humana – Com a necropsia, o médico legista analisa os ferimentos da vítima: tipos de mordidas, padrões de lacerações, sinais de luta ou defesa, tempo e causa da morte. Esses dados ajudam a confirmar que o ataque foi realizado por um animal de grande porte como uma onça, e não por outra causa.

  2. Veterinária Forense – A perícia veterinária estuda o animal suspeito. Avalia suas condições de saúde, comportamento e investiga se ele realmente participou do ataque. Nesse contexto, exames laboratoriais e de imagem são fundamentais para identificar vestígios humanos no organismo do animal. </aside>

Os exames realizados foram:

  • Análises de conteúdo gastrointestinal, como fezes e amostras do estômago. Essas amostras são coletadas para identificar fragmentos de tecidos humanos. A principal ferramenta usada é a análise de DNA, que confirma com alta precisão se houve consumo de material humano.

  • Exames de Imagem (Ultrassonografia, Raio-X e Tomografia Computadorizada): essas técnicas avaliam o trato digestivo do animal em busca de restos orgânicos não digeridos (como ossos, dentes ou cabelos), que possam indicar ingestão recente de partes humanas.

  • Exames de sangue e avaliação clínica também são realizados para entender o estado geral de saúde do animal e investigar se doenças, fome extrema ou ferimentos poderiam ter influenciado um comportamento anormalmente agressivo.

A partir desse episódio é possível perceber o contato forçado entre humanos e grandes predadores devido ao avanço humano sobre áreas naturais. Será que isso depende apenas da agressividade animal? Será que o ser humano ultrapassou seus limites, sendo inconsequente em relação ao meio ambiente?

Texto escrito por Lumma David G. Souza

#10 - Doença de Parkinson: Avanços, Desafios e o futuro do Diagnóstico

A Doença de Parkinson é uma condição neurológica degenerativa que afeta progressivamente o sistema nervoso, comprometendo principalmente o controle dos movimentos. Trata-se da segunda doença neurodegenerativa mais comum no mundo, atrás apenas do Alzheimer, e atinge mais de 10 milhões de pessoas globalmente — sendo cerca de 200 mil no Brasil. Apesar da alta prevalência, o diagnóstico e o tratamento do Parkinson ainda envolvem inúmeros desafios científicos e clínicos.

Sintomas e Sinais Iniciais

O sintoma mais reconhecido da doença é o tremor, geralmente percebido em repouso. Entretanto, cerca de 20% dos pacientes não apresentam tremores. Esses casos são classificados como "síndrome rígido-acinética", marcada principalmente pela lentidão nos movimentos (bradicinesia), rigidez muscular e alterações na marcha. Outros sinais importantes incluem a diminuição da movimentação de um dos braços ao caminhar, alterações na escrita (com letras menores e mais trêmulas) e dificuldades para tarefas simples do cotidiano.

Antes da fase motora evidente, pesquisadores identificaram uma "fase pré-motora", caracterizada por sintomas como perda do olfato, distúrbios do sono REM, obstipação intestinal e alterações de humor, como a depressão. Esses sinais podem se arrastar por anos sem que o diagnóstico seja feito, o que evidencia a complexidade da detecção precoce.

Diagnóstico: Um Desafio Clínico

Segundo especialistas como o professor Egberto Reis Barbosa, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o diagnóstico da Doença de Parkinson é essencialmente clínico. Ou seja, depende de uma avaliação médica detalhada baseada em sintomas e histórico do paciente, sem a existência de um exame laboratorial ou de imagem que seja considerado definitivo.

Exames como a ressonância magnética podem ajudar a excluir outras condições e identificar alterações na substância negra do cérebro — área envolvida na produção de dopamina —, mas são complementares. A inexistência de biomarcadores confiáveis torna o diagnóstico precoce ainda mais difícil, especialmente nos casos sem tremores evidentes, que podem ser inicialmente confundidos com problemas ortopédicos.

Causas e Fatores de Risco

Embora a causa exata da Doença de Parkinson ainda não seja completamente compreendida, estudos apontam para uma combinação de fatores genéticos, ambientais e do envelhecimento. Em indivíduos mais jovens, fatores hereditários são mais considerados; em idosos, o impacto ambiental — como exposição a pesticidas e toxinas — parece ter maior peso.

O declínio progressivo da dopamina no cérebro é o principal mecanismo associado aos sintomas motores da doença, mas o que desencadeia essa degeneração celular ainda é tema de intensas pesquisas.

Tratamentos e Pesquisas em Andamento

Atualmente, não existe cura para o Parkinson. O tratamento se baseia principalmente no controle dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida do paciente.

As terapias incluem:

Medicamentos dopaminérgicos: que repõem ou mimetizam a ação da dopamina no cérebro.

Atividade física: é considerada o principal fator de "neuroproteção" disponível. A prática regular de exercícios físicos demonstrou reduzir a progressão dos sintomas.

Alimentação: estudos indicam que o consumo de café e dietas semelhantes à mediterrânea podem ter efeitos protetores contra a doença.

Cirurgia de estimulação cerebral profunda (DBS): indicada para pacientes que, após anos de tratamento medicamentoso, passam a apresentar efeitos colaterais importantes. A DBS ajuda a controlar os sintomas motores e melhora a qualidade de vida em muitos casos.

No campo das pesquisas, terapias inovadoras estão sendo estudadas. Entre elas, o uso de anticorpos monoclonais que buscam reduzir os aglomerados da proteína alfa-sinucleína no cérebro — uma das marcas patológicas do Parkinson. Embora estudos recentes ainda não tenham mostrado diferenças significativas, a comunidade científica permanece otimista, focada em intervenções cada vez mais precoces.

Após o exposto, com o envelhecimento populacional global, estamos preparados para lidar com a "epidemia de Parkinson" prevista para 2050?

Texto escrito por Lumma David G. Souza

Fica a pergunta:

No fim das contas: você está construindo sua trajetória — ou apenas performando para o sistema?

🧠 Nesta edição do JornalMedP12, analisamos o fim da análise curricular no ENARE e suas consequências para a formação médica, debatemos a cultura da aparência acadêmica em "O Teatro da Excelência", e refletimos sobre o que realmente importa na trajetória médica diante da nova realidade dos processos seletivos. Abordamos também a morte do Papa Francisco como símbolo dos limites da medicina moderna e as inovações no tratamento do diabetes com a insulina semanal. Encerramos trazendo à tona a crise de saúde mental entre estudantes de medicina, alertando para a urgência de cuidar de quem cuida.

Bem-vindo ao futuro do aprendizado em Medicina!

Estamos construindo uma comunidade onde o conhecimento é compartilhado, atualizado e acessível para todos. O Projeto 12 é mais do que um jornal; é a sua aliada na jornada de se tornar um médico preparado para enfrentar os desafios da profissão.

@medprojeto12