#10- Jornal da Semana

Bom dia!Na medicina contemporânea, não basta repetir protocolos — é preciso entender a história, o contexto e as pessoas por trás de cada caso clínico. Nesta edição, destacamos seis notícias que impactam a formação, a prática e o pensamento médico, além de apresentar a programação científica da DNA Mentoria, focada em transformar o modo como escrevemos, apresentamos e aprendemos ciência.

📬 MEDPROJETO12 | Edição #10 — Formação, Ciência e Voz Ativa

#01 — IA no Prontuário Eletrônico: Eficiência, Alienação e os Limites da Medicina Automatizada

Na última década, a incorporação da inteligência artificial (IA) no cotidiano hospitalar não apenas avançou — ela se tornou parte integrante das rotinas clínicas. De algoritmos que sinalizam riscos de deterioração precoce à automação de prescrições e elaboração de prontuários, a IA promete velocidade, precisão e segurança. Mas será que, ao automatizar processos, estamos também automatizando decisões humanas?

O debate ético não é novo, mas ganhou fôlego em 2025 com o I Fórum Nacional sobre Inteligência Artificial na Medicina, promovido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Em meio a especialistas, médicos e pesquisadores, uma pergunta persistiu: o uso crescente da IA está realmente fortalecendo o raciocínio clínico ou apenas o substituindo por uma sequência de cliques?
🔗 Leia a cobertura completa do evento

A promessa da eficiência é sedutora. Sistemas automatizados reduzem erros de prescrição, agilizam triagens, integram dados de imagem e histórico clínico para sugerir hipóteses diagnósticas em segundos. Mas se a IA aprende a partir de bancos de dados, ela também herda seus vieses. Casos atípicos, múltiplas comorbidades ou contextos socioeconômicos que não se enquadram em padrões estatísticos podem escapar aos olhos do algoritmo — mas não ao olhar clínico sensível, empático e atento.

Como alertou o presidente do CFM, Dr. José Hiran Gallo, a IA deve ser compreendida como instrumento auxiliar e não como substituto da medicina baseada na relação humano-humano. “A responsabilidade clínica continuará sendo do médico, mesmo com o uso da IA. O que estamos debatendo é o grau de autonomia que se está dando à tecnologia dentro de um contexto ainda mal regulado”, afirmou no evento.
🔗 Leia mais sobre as diretrizes propostas pelo CFM

O risco da alienação médica é real. Quanto mais delegamos à máquina a tomada de decisões, maior a tentação de abrir mão do pensamento crítico, da escuta ativa e do contexto individual do paciente. E o paciente, afinal, não é um dado — é uma pessoa em sofrimento, cuja história transcende o que se pode registrar em campos de texto ou checkbox.

Por outro lado, recusar a IA seria ignorar avanços que já se provaram valiosos, como a predição precoce de sepse, a triagem radiológica automatizada e o suporte à decisão em UTIs. O dilema, portanto, não é sobre usar ou não usar IA, mas sobre como, quando e com que limites.

A medicina do futuro exige uma nova alfabetização: não apenas em código ou estatística, mas em ética, filosofia e ciência crítica. Saber quando confiar na IA, e quando questioná-la, pode ser a fronteira entre um cuidado tecnicamente eficiente e um cuidado verdadeiramente humano.

Porque a boa medicina não nasce de um sistema automatizado — mas de um médico que sabe o que está fazendo, por que está fazendo e para quem está fazendo.

Texto escrito por Luiz Eduardo M. Freire

#02 — Publicado o Novo Consenso sobre Hipercolesterolemia Familiar no Brasil: Um Olhar Reflexivo

A publicação do novo consenso da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) sobre hipercolesterolemia familiar (HF) não é apenas mais uma diretriz — é um convite à reflexão profunda sobre o papel do médico generalista na rede de cuidado genético e familiar.

A HF é uma doença genética autossômica dominante, caracterizada por níveis persistentemente elevados de LDL-colesterol desde o nascimento, e responsável por até 10% dos eventos cardiovasculares prematuros. Ainda assim, permanece subdiagnosticada: estima-se que menos de 10% dos 250 a 300 mil casos no Brasil tenham sido identificados.

O novo consenso da SBC, publicado em 2024, propõe mudanças importantes que vão além da terapêutica: trata-se de uma mudança de paradigma na forma como clínicos e pediatras devem atuar em rastreamento familiar.

🔍 O que mudou?

  1. Rastreamento Genético Precoce e em Cascata
    O documento enfatiza a importância do diagnóstico precoce — especialmente em crianças — por meio do rastreamento genético em cascata, identificando familiares de primeiro e segundo grau de um caso-índice. Essa abordagem tem potencial de salvar vidas ao antecipar intervenções antes que o primeiro evento coronariano ocorra.

  2. Critérios Diagnósticos Atualizados
    O novo consenso sugere atenção a níveis de LDL ≥ 190 mg/dL em adultos, ≥ 160 mg/dL em adolescentes e ≥ 130 mg/dL em crianças, desde que acompanhados de história familiar compatível. A classificação agora contempla também escore de risco ajustado ao contexto clínico e familiar, permitindo melhor sensibilidade sem comprometer a especificidade.

  3. Uso Criterioso de Inibidores de PCSK9
    Os inibidores de PCSK9 (como alirocumabe e evolocumabe) passam a ser indicados de forma mais precoce, inclusive na adolescência, em casos onde estatinas e ezetimiba não alcançam metas terapêuticas. Essa mudança simboliza a entrada da medicina de precisão na prática clínica da cardiologia preventiva.

🤔 Um alerta à prática reflexiva

O novo consenso traz à tona temas que ultrapassam o laboratório. Ele questiona a zona de conforto de uma medicina reativa, que ainda negligencia o rastreio genético como parte da rotina do atendimento primário. O médico de família e comunidade assume agora um papel central: ele é o elo entre o dado genético e a intervenção precoce, entre a história familiar e a prevenção de uma tragédia anunciada.

Além disso, o reconhecimento da variabilidade fenotípica mesmo em portadores da mesma mutação traz uma dimensão ética importante: é preciso humanizar o rastreio e acolher o impacto emocional que pode acompanhar o diagnóstico precoce em crianças.

O médico do futuro será também geneticista de seu próprio território. E esse futuro já começou.

Texto escrito por Luiz Eduardo M. Freire

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#03 — Atlas de Dermatologia Negra é Lançado e Disponível Gratuitamente: Um Grito pela Equidade Visual na Medicina

Em um cenário ainda dominado por imagens de peles claras, o lançamento do Negro Atlas de Dermatologia representa uma virada histórica na prática clínica, no ensino médico e na luta contra o racismo estrutural em saúde. Com mais de 4.000 imagens clínicas de alta qualidade, o atlas documenta manifestações dermatológicas em peles pretas e pardas, abrangendo doenças como psoríase, hanseníase, vitiligo, infecções, neoplasias e dermatoses inflamatórias.

Mais do que uma ferramenta de apoio ao diagnóstico, o atlas é um manifesto visual — um chamado à revisão urgente dos referenciais formativos da medicina brasileira.

🔍 Por que isso importa?

  1. O viés silencioso no ensino
    A maior parte dos livros-texto utilizados nas universidades brasileiras apresenta predominância quase exclusiva de peles brancas. Essa ausência se reflete diretamente na prática: estudantes e médicos têm dificuldade em identificar lesões em peles escuras, atrasando diagnósticos e perpetuando desigualdades assistenciais.

  2. Diagnóstico clínico começa com o olhar
    Lesões eritematosas, por exemplo, podem parecer acastanhadas ou arroxeadas em peles negras, passando despercebidas por quem não foi treinado para reconhecê-las. O atlas mostra que, para ver, é preciso primeiro aprender a olhar. E aprender a olhar exige diversidade visual.

  3. Não é sobre estética, é sobre justiça diagnóstica
    A criação do atlas, liderada por profissionais negros, é também um ato político: confronta o modelo de medicina eurocentrado, que naturalizou a invisibilização de corpos negros nos contextos científicos e pedagógicos. Dar visibilidade não é fetichizar — é corrigir um apagamento histórico.

🤔 Reflexão crítica

A equidade racial na medicina não se fará apenas com discursos bem-intencionados, mas com iniciativas estruturantes como essa. A ausência de peles negras nas imagens clínicas não é um mero descuido: é parte de uma cultura acadêmica que ainda marginaliza o que não se parece com o padrão hegemônico. O Negro Atlas de Dermatologia não vem para ser um suplemento, mas sim uma nova base.

A partir dele, professores, preceptores e autores têm a oportunidade (e a responsabilidade) de reconstruir seus materiais e práticas, reconhecendo que não há boa medicina se metade dos pacientes permanece invisível nos livros.

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#04 — Neurociência e Sono: Um Novo Caminho para Tratar Depressão

A medicina do sono tem deixado de ser coadjuvante no tratamento da depressão. Estudos recentes em neurociência mostram que intervenções voltadas à regulação do ritmo circadiano e ao fortalecimento do sono profundo (fase NREM) podem ser mais eficazes — e mais rápidas — do que o uso isolado de antidepressivos, especialmente em quadros refratários.

🧠 O cérebro deprimido é, também, um cérebro desregulado no tempo

A depressão não afeta apenas o humor. Ela desorganiza o relógio biológico, atrapalha o ciclo sono-vigília, desativa a produção adequada de melatonina e prejudica o sistema glinfático — rede linfática cerebral responsável por “limpar” resíduos metabólicos durante o sono profundo. Um cérebro que não dorme direito não tem tempo nem condições fisiológicas para se reparar.

Pesquisas recentes mostram que regular o sono pode aliviar sintomas depressivos em poucos dias, sem os efeitos colaterais associados a medicações. Mais do que isso: sono e luz são instrumentos terapêuticos com ação direta nos genes do ritmo circadiano.

🔬 Três pilares do novo tratamento circadiano para depressão

  1. Melatonina cronobiológica
    Doses controladas de melatonina, administradas em horários específicos conforme o cronotipo do paciente, ajudam a sincronizar o relógio interno. Além disso, atuam na regulação de genes como Per2 e Bmal1, essenciais para o equilíbrio circadiano e o sono reparador.

  2. Terapia de luz personalizada
    Exposição à luz azul-branca no início da manhã tem se mostrado eficaz na correção do atraso de fase circadiano, principalmente em pacientes com depressão sazonal, bipolar ou refratária. Essa simples intervenção pode modular a liberação de cortisol, serotonina e melatonina.

  3. TCC-Insônia (CBT-I)
    A Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia vai além da “higiene do sono”: ela ensina o cérebro a restaurar a relação saudável com o adormecer e a vigília. Quando combinada a melatonina e luz, seus efeitos são ampliados, com respostas terapêuticas mais consistentes.

🤔 Reflexão crítica

A ciência começa a confirmar o que a intuição clínica já sugeria: sem sono, não há saúde mental possível. Em tempos de medicalização rápida e rituais farmacológicos automáticos, talvez o que falte à psiquiatria não seja mais um antidepressivo — mas o resgate da cronobiologia como base terapêutica.

É hora de incorporar o ritmo circadiano ao raciocínio clínico, de medir a qualidade do sono com o mesmo zelo com que dosamos neurotransmissores. E de lembrar que uma mente equilibrada nasce de um corpo em sintonia com o tempo.

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#05 -Quando Cada Segundo Conta: A Medicina de Emergência no Resgate do Voo Air India 171

No último dia 12 de junho de 2025, o mundo acompanhou com espanto o noticiário do acidente com o voo Air India 171, que caiu logo após a decolagem em Ahmedabad. Com 178 pessoas a bordo, a aeronave foi completamente destruída no impacto. Em meio à tragédia, uma imagem chamou atenção de equipes de resgate, imprensa e público: um homem caminhava entre os destroços, coberto de sangue e fuligem. Vishwash Kumar Ramesh, de 34 anos, tornou-se o único sobrevivente do desastre. Ferido, em choque, mas vivo.

Casos como o de Vishwash rapidamente são descritos como milagrosos, mas por trás desse tipo de sobrevivência existe uma área da medicina que se dedica a responder justamente a situações como essa: a medicina de emergência. O trabalho de médicos emergencistas começa muito antes da chegada ao hospital. Ainda no cenário da tragédia, esses profissionais precisam avaliar, estabilizar e tomar decisões vitais em segundos, com recursos limitados e sob enorme pressão.

Quando uma equipe de resgate encontra um sobrevivente em um cenário como o de um acidente aéreo, o primeiro passo é aplicar o protocolo de avaliação primária, conhecido como ABCDE do trauma. Essa abordagem sistemática busca garantir, em ordem de prioridade, que as vias aéreas estejam livres (A – airway), que o paciente esteja respirando (B – breathing), que a circulação e a pressão arterial estejam adequadas (C – circulation), que o estado neurológico seja avaliado (D – disability), e que o paciente seja completamente exposto à busca de lesões ocultas (E – exposure), sem que ele perca calor corporal.

Em contextos de desastre, como acidentes aéreos ou desabamentos, o atendimento pré-hospitalar é feito em ambiente instável, com risco contínuo para vítimas e socorristas. Não há tempo para exames sofisticados ou consultas médicas completas. A rapidez na identificação de lesões que ameaçam a vida é o que faz a diferença entre a vida e a morte. Vishwash, segundo relatos iniciais, foi encontrado consciente, embora desorientado e com múltiplos ferimentos. Esse tipo de quadro é compatível com o que os médicos chamam de “período de lucidez aparente”, comum em vítimas de trauma que ainda não apresentaram colapso fisiológico.

Além do atendimento imediato, os médicos de emergência também precisam atuar com lógica de triagem, sobretudo quando há múltiplas vítimas. Protocolos como o START (Simple Triage and Rapid Treatment) ajudam a priorizar quem deve ser atendido primeiro — não necessariamente quem grita mais alto ou parece mais ferido, mas quem tem maior chance de sobreviver com intervenção rápida. Isso exige não apenas conhecimento técnico, mas também inteligência emocional e capacidade de liderança.

Após a estabilização inicial no local do acidente, o paciente é transportado para um centro de trauma. Aí entra a segunda etapa do trabalho do emergencista: exames de imagem, controle rigoroso de sinais vitais, início de antibióticos, transfusões, e a coordenação com cirurgiões, ortopedistas, neurocirurgiões e intensivistas. Cada segundo importa. Em casos de politraumatismo, como provavelmente foi o de Vishwash, lesões internas silenciosas podem se agravar rapidamente se não forem detectadas a tempo.

A medicina de emergência moderna é baseada em protocolos internacionais, mas também exige adaptabilidade. Muitos dos médicos que atuaram no resgate em Ahmedabad provavelmente enfrentaram escassez de materiais, comunicação falha e pressão da mídia. Ainda assim, foram capazes de oferecer atendimento que salvou uma vida em meio ao caos.

A história de Vishwash Kumar Ramesh é, sim, extraordinária. Mas ela também revela o quanto a ciência médica, a preparação técnica e o treinamento constante das equipes de emergência são fundamentais. Em vez de um milagre isolado, sua sobrevivência deve ser vista como um exemplo do que é possível quando profissionais bem treinados atuam com rapidez, clareza e compaixão diante do improvável.

Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

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