#13 - Jornal da Semana

Bom dia, leitor.Nesta edição, o corpo aparece em múltiplas arenas — dos algoritmos às seringas, das apostas digitais aos centros cirúrgicos. Quando tudo ao nosso redor exige performance, produtividade ou lucro, o que ainda resta de humano no exercício da medicina? Esta edição é um convite para parar, refletir e — quem sabe — escutar.

🗞 MEDPROJETO12 | Edição #13

Corpo, Consumo e Silêncio: até onde suportamos ser explorados?

Bom dia, leitor.
Nesta edição, o corpo aparece em múltiplas arenas — dos algoritmos às seringas, das apostas digitais aos centros cirúrgicos. Quando tudo ao nosso redor exige performance, produtividade ou lucro, o que ainda resta de humano no exercício da medicina? Esta edição é um convite para parar, refletir e — quem sabe — escutar.

#1 - O legado que fica quando o corpo cessa

A morte sempre nos pega no contrapé. Mesmo quando sabemos que ela é a única certeza, ainda assim nos assombra a facilidade com que ela interrompe histórias — algumas no meio do caminho, outras bem no auge.

A notícia da morte de Diogo Jota ecoa não apenas no mundo do futebol, mas em qualquer alma que, um dia, já acreditou na imortalidade que o sucesso parece oferecer. Dentro de campo, ele era gigante. Atleta admirável, campeão, símbolo de entrega e garra. Fora dele, agora, tornou-se o que todos nós fatalmente seremos: memória.

“Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos.” A frase é de Cora Coralina, e traduz exatamente o que resta de um homem como Diogo Jota.

Ele partiu, mas deixou seu rastro. Não falo apenas de gols, títulos ou estatísticas. Falo de um exemplo mais sutil, mas muito mais duradouro: o exemplo do homem que não se contentou em apenas existir — escolheu marcar presença, ainda que o preço fosse alto.

Há uma ilusão recorrente no mundo contemporâneo: a ideia de que vencer é acumular. Mais títulos, mais dinheiro, mais fama. Diogo Jota prova o contrário. Seu legado não está no que acumulou, mas no que inspirou. Sua história agora pertence a todos aqueles que entenderam que a grandeza, de verdade, está em jogar a própria vida com coragem — dentro e fora de campo.

Platão, em suas meditações, dizia que “o homem que vive bem não teme a morte, pois sua alma permanece ordenada e livre”. Diogo Jota, pelo que demonstrou em sua breve trajetória, parecia viver assim: sem medo, com intensidade, disposto a pagar o preço da grandeza.

Nietzsche, com seu tom cortante, dizia:

"O valor de um homem se mede pela quantidade de verdade que ele suporta."

E talvez seja por isso que certas mortes nos comovem tanto: porque, no fundo, nos lembram que a verdade é simples demais para ser ignorada. No campo ou na vida, ninguém vence a morte. O que resta é o modo como se joga antes dela chegar.

Diogo Jota jogou como poucos.

E por isso, embora tenha deixado o campo cedo demais, não sai derrotado.

Sai maior. Sai eterno.

Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

#02 - Quando a máquina diagnostica melhor que o médico: a nova era da medicina já começou

Em junho de 2025, a Microsoft revelou ao mundo um avanço que gerou repercussão imediata, tanto na imprensa quanto entre médicos e profissionais de saúde. Seu sistema de inteligência artificial, o MAI-DxO (Microsoft AI Diagnostic Orchestrator), superou de forma contundente médicos humanos na resolução de casos clínicos complexos. A notícia, que rapidamente circulou entre grupos e fóruns médicos, carrega um significado muito maior do que a simples vitória de um algoritmo sobre especialistas: ela marca um novo e inevitável ponto de inflexão na prática médica contemporânea.

O estudo, conduzido com 304 casos clínicos publicados pelo New England Journal of Medicine, mostrou que a IA da Microsoft foi capaz de acertar o diagnóstico em 85,5% das vezes. Os médicos, colocados na mesma condição de avaliação — sem acesso a exames complementares ou suporte externo —, acertaram em apenas 20% dos casos. A diferença é gritante, mas não exatamente surpreendente. A IA utilizada pela Microsoft não é um modelo único, mas um sistema de “orquestração” que reúne diversos modelos de linguagem avançada, como GPT, Gemini e Claude, além de ferramentas específicas para diagnósticos, funcionando como um verdadeiro painel virtual de especialistas.

Além da impressionante taxa de acerto, o sistema também demonstrou uma habilidade notável em reduzir a quantidade de exames necessários para fechar um diagnóstico, otimizando o caminho clínico e reduzindo custos. Em outras palavras, não apenas acertou mais, como também foi mais eficiente — uma combinação que, inevitavelmente, pressiona o modelo médico atual.

No entanto, há um detalhe crucial que precisa ser discutido de forma honesta: o experimento colocou os médicos em um cenário extremamente desfavorável. Sem acesso a colegas, literatura ou ferramentas diagnósticas habituais, os clínicos atuaram como ilhas, algo que não reflete a prática médica real, onde a colaboração e o uso de recursos são essenciais. Ainda assim, a superioridade da IA em lidar com a complexidade lógica dos casos clínicos levanta uma questão inevitável: até que ponto o raciocínio humano, com todas as suas limitações cognitivas e vieses, conseguirá competir com sistemas que já nascem com acesso a bilhões de dados e algoritmos de raciocínio probabilístico quase infalíveis?

Para além do impacto técnico, o que esse avanço realmente representa é um choque cultural para a medicina. Por séculos, o diagnóstico foi visto como a arte maior do médico, o ápice de sua formação intelectual e experiência. Agora, essa “arte” começa a ser reproduzida por máquinas com eficiência assustadora. É um golpe duro no orgulho profissional, mas também uma oportunidade de reavaliar o papel do médico no século XXI.

O grande risco não está na substituição, como tantos temem, mas na perda do senso crítico. IAs como o MAI-DxO podem se tornar ferramentas indispensáveis para otimizar diagnósticos, reduzir erros e democratizar o acesso a uma medicina de excelência. Mas é justamente aí que mora o desafio: a medicina não pode se tornar um ato automatizado. A análise do caso clínico, por mais complexa que seja, é apenas uma parte do cuidado médico. O médico continua sendo insubstituível na hora de ouvir, acolher, decidir e, sobretudo, contextualizar o paciente em sua individualidade.

Este episódio com a IA da Microsoft não é uma ameaça ao médico — é um aviso. A era da inteligência artificial na medicina já começou, e nela, os profissionais que não souberem usar essas ferramentas de forma crítica, estratégica e ética, inevitavelmente ficarão para trás. A medicina não desaparecerá, mas mudará de “pele”. Os médicos que insistirem em ignorar essa transformação correm o risco de não apenas perderem eficiência, mas de se tornarem irrelevantes.

Em um cenário onde a tecnologia já supera o ser humano no raciocínio lógico, resta ao médico reforçar o que nenhuma IA, por mais avançada que seja, consegue oferecer: o olhar humano, o julgamento ético e a capacidade de decidir com base não apenas em probabilidades, mas na complexa trama de desejos, dores e histórias que cada paciente carrega.

O futuro não é uma disputa entre médicos e máquinas. É uma fusão entre ambos — desde que saibamos qual é, de fato, o nosso papel.

Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

#3 - Cirurgia para mudar cor dos olhos: riscos que vão além da estética

recente popularização da ceratopigmentação — procedimento que insere pigmentos na córnea para alterar a cor dos olhos — levantou alerta entre oftalmologistas e organizações médicas. Embora realizada por celebridades e influenciadores em busca de resultados estéticos, essa técnica invasiva carrega riscos consideráveis e, segundo o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), só deve ser empregada em pacientes com cegueira permanente ou baixa visão extrema, como parte de protocolos clínicos para melhorar o bem-estar psicossocial desses indivíduos

Ao contrário do que circula nas redes, a ceratopigmentação não é um procedimento inofensivo: trata-se de uma espécie de “tatuagem” corneana altamente invasiva, com resultados irreversíveis. Entre suas complicações estão desde lesões persistentes na córnea, risco de perfuração, infecções graves — incluindo aquelas que atingem internamente o olho — até inflamações crônicas e aumento da pressão intraocular. Relatos de pacientes pós‑procedimento narram visão embaçada, dor intensa, fotofobia, sensação de areia e lacrimejamento contínuo, com potencial evolução para perda visual ou até mesmo cegueira total.

Outro ponto de atenção é que a pigmentação torna difícil a realização de exames oftalmológicos e procedimentos futuros — como cirurgias de catarata — pois altera a transparência corneana e pode mascarar ou distorcer sinais clínicos essenciais. Simplificando: um procedimento estético pode comprometer diagnósticos subsequentes.

O CBO e a Sociedade Brasileira de Córnea enfatizam que, para olhos saudáveis, existem alternativas seguras e reversíveis, como lentes de contato coloridas e próteses oculares. A ceratopigmentação só deve ser considerada quando essas opções forem inviáveis e houver justificativa clínica sólida, como casos de deformidades ou anomalias da córnea em pacientes cegos que buscam normalizar a aparência ocular.

O caso também reforça um confronto cultural entre a busca por beleza e os limites éticos da prática médica. Nas redes sociais, o anúncio de transformação visual — liberado sem contexto de risco — pode incentivar pacientes a se submeterem sem entender as implicações. A divulgação por figuras públicas favorece a normalização de um procedimento que, do ponto de vista médico, ainda é experimental em contextos estéticos.

Para médicos e futuros profissionais da área, a ceratopigmentação serve como um exemplo vivo das tensões entre inovação, demanda social e segurança do paciente. O cuidado começa com transparência: a prática deve ser restrita a profissionais especializados, em ambiente controlado — como delineiam o CBO e a comunidade oftalmológica. Quando a objetivação estética se sobrepõe à cautela clínica, pacientes — e profissionais — correm um risco real.

Em tempos de filtros fotográficos e estética on-line, a mensagem dos conselhos médicos é clara: algumas mudanças exigem menos cliques e mais responsabilidade.

Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

#04 — Estresse Tóxico Infantil: quando o abandono se escreve no corpo

Por Luiz Edumardo Martins Freire

Há feridas que o corpo não mostra — mas carrega. O estresse tóxico infantil é uma dessas marcas invisíveis, que se instauram precocemente e moldam a saúde por toda a vida. Ao contrário do estresse agudo, que pode ser benéfico e preparatório, o estresse tóxico resulta de exposições crônicas a situações adversas sem o suporte de adultos afetivos. Abandono, violência, negligência emocional e fome figuram entre os principais gatilhos.

As consequências? Alterações estruturais no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, hiperatividade do sistema de resposta ao estresse, ativação inflamatória crônica e prejuízos à neuroplasticidade. A ciência mostra que crianças submetidas a esse tipo de ambiente têm risco significativamente maior de desenvolver transtornos psiquiátricos, doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes tipo 2 e dificuldades cognitivas na vida adulta.

No Brasil, onde quase metade das crianças vive na pobreza, esse fenômeno ganha contornos epidêmicos. A medicina preventiva precisa sair das salas de aula e se inserir no cotidiano das políticas públicas, da atenção básica e da vigilância intersetorial. Porque tratar o corpo sem escutar sua história é perpetuar a ferida.

#05 — Terapia por IA? O dilema ético do cuidado automatizado

Por Luiz Edumardo Martins Freire

Na era dos algoritmos, até a escuta virou produto. Aplicativos de saúde mental que prometem "terapia digital", respostas empáticas automatizadas e acompanhamento emocional via inteligência artificial têm ganhado espaço — principalmente entre jovens e populações com acesso limitado a atendimento psicológico.

Mas o que se perde quando se delega o cuidado ao código?

A clínica, por definição, é relação. É linguagem verbal e não verbal, presença, silêncio compartilhado, historicidade e construção de vínculo. A inteligência artificial, por mais treinada que seja, ainda opera fora desse campo relacional. Não reconhece subjetividades complexas, não lida com ambivalências e, acima de tudo, não se responsabiliza por suas interpretações.

Além disso, surgem implicações éticas: como assegurar sigilo? Quem responde por erros de interpretação? Qual a validade clínica de orientações automatizadas? Ao normalizar o uso de IA como substituto da terapia tradicional, corremos o risco de transformar o cuidado em conveniência — e o sofrimento, em estatística.

A tecnologia pode ser aliada da saúde mental, sim. Mas desde que subordinada à ética, à ciência e à escuta humana qualificada.

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#06 — Psicobióticos e o Cérebro: o intestino como nova fronteira terapêutica

Por Luiz Edumardo Martins Freire

Poucas descobertas recentes abalaram tanto a visão biomédica tradicional quanto o eixo intestino-cérebro. A ideia de que microrganismos intestinais modulam o comportamento, a cognição e o humor, antes vista como especulativa, hoje está solidamente amparada por evidências científicas.

Esse sistema de comunicação bidirecional envolve neurônios entéricos, vias hormonais, citocinas inflamatórias e, principalmente, a microbiota intestinal — um ecossistema complexo e dinâmico, sensível ao ambiente, à dieta e ao uso de medicamentos. Alterações nessa microbiota estão associadas a ansiedade, depressão, TDAH, autismo e neurodegeneração.

É nesse contexto que emergem os psicobióticos — cepas probióticas específicas que atuam sobre o sistema nervoso central. Pesquisas recentes sugerem que, combinados a intervenções dietéticas, esses microrganismos podem regular o humor, reduzir a inflamação sistêmica e potencializar tratamentos psiquiátricos tradicionais, com menos efeitos adversos.

Trata-se de uma virada de paradigma: do modelo mente-cérebro para o modelo corpo-comunicação. O intestino, antes ignorado como coadjuvante da digestão, hoje se revela copiloto da mente.

 

Fechamento

Entre debates sobre ética digital, exames de proficiência, novas doenças e gestos de empatia, esta edição do Med Jornal P12 buscou lançar luz sobre o que realmente importa na formação médica: o olhar humano, crítico e comprometido com a saúde em todas as suas dimensões.

A medicina do futuro começa agora — nas escolhas que fazemos, nos temas que discutimos e na maneira como nos posicionamos diante de um mundo em constante transformação.

Obrigado por nos acompanhar até aqui.
Nos vemos na próxima edição.
Com respeito, ciência e reflexão,

Bem-vindo ao futuro do aprendizado em Medicina!

Estamos construindo uma comunidade onde o conhecimento é compartilhado, atualizado e acessível para todos. O Projeto 12 é mais do que um jornal; é a sua aliada na jornada de se tornar um médico preparado para enfrentar os desafios da profissão.

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