#06 - Jornal da Semana

🌞 Bom dia, leitor! Seja bem-vindo a mais uma edição do Med Jornal P12.Hoje, queremos te convidar a refletir sobre o presente e o futuro da medicina — com olhos atentos às transformações da sociedade, à ética nas redes e ao compromisso com uma formação médica mais consciente e humana. Prepare seu café e sua curiosidade: temos muito o que conversar.

Formar médicos, formar pessoas

Vivemos uma era em que a medicina não se limita ao bisturi, ao estetoscópio ou à receita digital. Cada vez mais, o profissional de saúde é chamado a entender fenômenos que extrapolam o consultório: a exposição infantil nas redes, os impactos do julgamento virtual, o surgimento de novas doenças, os riscos da formação em massa e até o poder de um gesto solidário em plena maratona.

Nesta edição, refletimos sobre o novo exame nacional de proficiência médica — a chamada “OAB da medicina” —, e o que ele revela sobre a urgência de resgatar qualidade e seriedade na formação. Abordamos também temas tão atuais quanto sensíveis: o sharenting e seus riscos à saúde psíquica das crianças, o impacto social do cancelamento digital, a nova classificação do diabetes tipo 5, os avanços no combate à Chikungunya e a emocionante lição de humanidade protagonizada por um atleta brasileiro.

Em tempos de sobrecarga de informação e escassez de escuta, a medicina precisa mais do que nunca de profissionais técnicos e conscientes, empáticos e atentos ao mundo. Porque a verdadeira competência médica não está apenas no diagnóstico — mas na capacidade de compreender o ser humano que há por trás de cada dado, cada paciente, cada clique.

#01 - ENADE, ENARE e a Nova Prova Nacional de Proficiência Médica: A “OAB da Medicina”?

Em 2025, o Governo Federal anunciou uma mudança significativa na avaliação da formação médica no Brasil: a criação do Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed). Este exame unifica o ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) e o ENARE (Exame Nacional de Residência) em uma única avaliação anual. O objetivo é centralizar a avaliação de egressos de medicina em um único exame, de caráter obrigatório, com foco na qualidade da formação médica e na seleção para programas de residência médica da rede pública federal .

📌 O que muda com o Enamed?

  • Unificação de avaliações: O Enamed substitui o ENADE e o ENARE, consolidando a avaliação do desempenho dos estudantes de medicina em um único exame anual .

  • Obrigatoriedade: A participação no Enamed será obrigatória para todos os estudantes concluintes de medicina, e sua estrutura estará integrada à matriz curricular dos cursos de graduação em medicina .

  • Avaliação de competências: O exame avaliará se os concluintes dos cursos de medicina adquiriram as competências e habilidades exigidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), além de fornecer insumos para aprimorar as graduações em medicina .

  • Impacto na residência médica: Os resultados do Enamed poderão ser considerados em processos seletivos de residência médica, incluindo o Exame Nacional de Residências (Enare) .

⚖️ É a OAB da medicina?

A comparação com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) tem fundamento. Assim como a OAB exige uma prova de aprovação para permitir o exercício da advocacia, há propostas em tramitação no Congresso Nacional que visam instituir um Exame Nacional de Proficiência em Medicina como requisito para o registro profissional no Conselho Regional de Medicina (CRM). Este exame, conhecido como “OAB da medicina”, ainda está em discussão e não foi implementado até o momento .

📚 E a Prova de Proficiência Médica em Editais?

Antes mesmo da consolidação do Enamed, alguns editais de residência médica já incluíam provas de proficiência como critério classificatório ou eliminatório. Com a nova política nacional, esses testes tendem a ser substituídos por uma versão única e padronizada – o Enamed.

📅 A partir de quando vale?

  • A primeira aplicação do Enamed será ainda em 2025, com os formandos do 6º ano obrigados a realizar o exame .

  • Para os que já estão formados, a obrigatoriedade ainda não está definida.

  • A adesão de programas de residência ainda será opcional em 2025, mas a tendência é de se tornar majoritária nos anos seguintes.

Essa mudança não acontece por acaso. Em edições anteriores do Med Jornal P12, já refletimos sobre a abertura desenfreada de cursos de medicina e o impacto de uma formação muitas vezes superficial. A criação de uma prova nacional unificada reacende um debate necessário: é justo permitir que profissionais exerçam a medicina sem comprovar proficiência mínima? Em meio a uma geração frequentemente mais imediatista e a um mercado saturado por faculdades recém-abertas, garantir qualidade na formação médica é também um compromisso com a vida.

Texto escrito por Luiz.E.M.Freire

#02 - SHARENTING: O QUE É E QUAIS OS CUIDADOS QUE PAIS E RESPONSÁVEIS DEVEM TER NAS REDES SOCIAIS

Respeito, esperança, humanidade. Certamente você já ouviu essas palavras ditas com doçura por uma criança nas redes sociais — talvez em um vídeo viral, talvez em uma propaganda que emocionou o país. Elas vieram da pequena Alice Secco, que encantou milhões de pessoas durante a pandemia e virou símbolo de uma nova geração de crianças hiperexpostas na internet. O nome disso? Sharenting.

Se antes os pais carregavam com orgulho uma foto 3x4 dos filhos na carteira ou mostravam álbuns de papel para visitas especiais, hoje o orgulho parental se materializa de forma digital. Um clique, um post, e a imagem da criança — suas palavras, gestos e até sua rotina — alcançam centenas, milhares ou até milhões de desconhecidos.

O termo sharenting vem da união das palavras share (compartilhar) e parenting (criação dos filhos) e define justamente esse comportamento: o compartilhamento frequente da vida dos filhos nas redes sociais. No Brasil, essa prática cresceu nos últimos anos, especialmente em plataformas como Instagram e TikTok.

Mas até que ponto essa exposição é saudável ou segura?

Por mais que as intenções dos pais sejam boas — como mostrar conquistas, momentos fofos ou dividir alegrias com amigos e familiares —, os riscos existem e não são pequenos. Expor repetidamente a imagem da criança pode comprometer seu direito à privacidade, à intimidade e à própria imagem, garantidos por leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil.

No caso de Alice Secco, a visibilidade conquistada por sua desenvoltura abriu portas para campanhas publicitárias de grandes marcas. No entanto, junto com o sucesso vieram também usos indevidos de sua imagem — inclusive em contextos políticos e religiosos, sem a devida autorização dos pais.

É aí que entra um alerta importante: o conteúdo postado hoje pode ter consequências sérias amanhã. Em alguns casos, os pais podem até ser responsabilizados civilmente pelos danos causados pela exposição excessiva de seus filhos.

Antes de postar, vale refletir: Essa imagem protege ou expõe meu filho? Ele gostaria de ver isso na internet daqui a alguns anos?

A infância deve ser registrada com carinho, mas vivida com liberdade. Mais do que curtidas e visualizações, as crianças precisam de proteção, afeto e respeito — dentro e fora das telas.

Texto escrito por Fabricia .M.Freire, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e Bacharel em Comunicação Social - Publicidade pela Universidade Federal de Goiás. Advogada no escritório LP Soluções Jurídicas. Coordenadora do Núcleo Universitário do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).

O sharenting ultrapassa as fronteiras do comportamento digital e já chegou aos consultórios médicos. A exposição excessiva de crianças nas redes tem provocado efeitos psicológicos e emocionais que demandam atenção da pediatria e da saúde mental infantil, como ansiedade, distorções de autoimagem e dificuldades de socialização. Além disso, profissionais de saúde precisam lidar com questões éticas e jurídicas ligadas ao consentimento e ao uso indevido de imagens em contextos clínicos ou terapêuticos. Com a infância cada vez mais conectada, formar médicos preparados para compreender os impactos do mundo digital é um desafio urgente da medicina contemporânea.

#03 - Diabetes Tipo 5: Nova Classificação Traz Esperança para Diagnóstico e Tratamento

A Federação Internacional de Diabetes (IDF) reconheceu oficialmente uma nova classificação para diabetes, denominada diabetes tipo 5. Trata-se da renomeação do “diabetes relacionado à desnutrição”, uma condição que afeta principalmente adolescentes e jovens adultos magros e desnutridos, sendo mais prevalente em países de baixa e média renda, como Índia, Tailândia, Uganda, Nigéria e Etiópia.

Embora esse tipo de diabetes tenha sido descrito há mais de 70 anos, ainda carece de estudos aprofundados para um diagnóstico mais preciso e diretrizes de tratamento adequadas. No Congresso da IDF, o presidente da entidade, Peter Schwarz, anunciou a criação de um grupo de trabalho que, nos próximos dois anos, buscará estruturar critérios diagnósticos formais e protocolos terapêuticos. A Sociedade Brasileira de Diabetes acompanha essas novidades e aguarda as diretrizes internacionais.

Diferente do diabetes mellitus tipo 1 (DM1), que é uma doença autoimune caracterizada pela destruição das células pancreáticas produtoras de insulina, o diabetes tipo 5 está associado à desnutrição calórico-proteica ocorrida na vida intrauterina ou na infância. Isso resulta na deficiência de células-beta no pâncreas, levando a uma produção reduzida, mas ainda existente, de insulina, o que evita complicações como a cetoacidose diabética – típica do DM1.

A condição também se distingue do diabetes tipo 2, que está amplamente ligado ao sobrepeso e obesidade. No diabetes tipo 5, ao contrário, os pacientes são jovens e apresentam índice de massa corporal (IMC) muito baixo (inferior a 18,5-19), dificultando o diagnóstico correto. Muitos casos podem estar sendo erroneamente classificados como DM1, sobretudo em regiões rurais de países de baixa renda, onde o acesso ao diagnóstico médico é limitado.

Segundo o Dr. Fernando Valente, diretor da Sociedade Brasileira de Diabetes, não há dados de prevalência sobre o diabetes tipo 5 no Brasil, mas ele reconhece que casos podem estar subdiagnosticados. Além da insulina, o tratamento envolve reposição nutricional adequada, incluindo aporte calórico, proteínas e micronutrientes.

A nova classificação do diabetes tipo 5 pode representar um avanço significativo na compreensão e no tratamento da doença, promovendo maior reconhecimento clínico e possibilitando terapias mais eficazes para os pacientes que vivem com essa condição.

Texto escrito por Lumma David G. Souza

#04 - Marco importante para a saúde pública: Brasil aprova primeira vacina contra Chikungunya

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, no mês de abril, o registro da primeira vacina contra o vírus Chikungunya no país. Desenvolvida originalmente pela farmacêutica austríaca Valneva e denominada IXCHIQ, a vacina será produzida inicialmente na Alemanha e, futuramente, no Brasil pelo Instituto Butantan, responsável pela solicitação do registro. O imunizante, de dose única, é indicado para adultos com 18 anos ou mais que estejam sob maior risco de exposição ao vírus, e representa uma esperança concreta para conter os impactos dessa arbovirose que, desde 2014, se espalhou por todo o território nacional.

A vacina é recombinante atenuada e demonstrou, em estudos clínicos realizados com adultos nos Estados Unidos e adolescentes no Brasil, uma resposta imune robusta, com a produção significativa de anticorpos neutralizantes contra o vírus Chikungunya. Seu perfil de segurança foi considerado satisfatório pela Anvisa. Apesar disso, o imunizante é contraindicado para gestantes, imunodeficientes e imunossuprimidos.

A aprovação do registro ocorreu com base em rigorosa análise técnica da documentação submetida, que incluiu dados de produção, controle de qualidade e resultados de estudos clínicos. Também foi estabelecido um Termo de Compromisso entre a Anvisa e o Instituto Butantan, que prevê a realização contínua de estudos de efetividade e segurança, além de atividades de farmacovigilância ativa. A vacina já havia sido aprovada por outras importantes agências regulatórias internacionais, como a FDA (Estados Unidos) e a EMA (União Europeia).

A Chikungunya é transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti, o mesmo vetor da dengue, da zika e da febre amarela, no caso do ciclo urbano. Desde sua introdução no Brasil em 2014, a doença passou de casos localizados para uma situação endêmica, com todos os estados do país apresentando registros da infecção.

Com a chegada da IXCHIQ, surgem novas possibilidades de controle da doença, sobretudo em populações mais vulneráveis. A partir disso, como garantir que a vacina chegue com agilidade às regiões mais afetadas e de difícil acesso? De que forma será conduzido o monitoramento pós-comercialização, sobretudo em populações com comorbidades? E, mais amplamente, será que estamos investindo o suficiente em medidas integradas de combate ao Aedes aegypti, para evitar a próxima epidemia antes que ela comece?

A aprovação da vacina representa um passo firme na direção certa. Mas como em toda inovação em saúde pública, o impacto dependerá da implementação, do acesso equitativo e do compromisso contínuo com a ciência e a vigilância.

Texto escrito por Lumma David G. Souza

#05 - Saiu a Demografia Médica no Brasil 2025: O que os Dados Revelam Sobre a Formação Médica?

Nos últimos 20 anos, a formação médica no Brasil passou por uma transformação radical. O país saltou de 143 cursos de medicina em 2004 para 448 em 2024 — um aumento de mais de 200%. Esse crescimento foi fortemente impulsionado pela Lei Mais Médicos, de 2013, que marcou uma nova era de expansão, com especial protagonismo das instituições privadas de ensino superior, responsáveis por 91,5% das novas vagas criadas entre 2014 e 2024.

O cenário atual escancara uma concentração das vagas em faculdades privadas, muitas vezes movidas por interesses de mercado, com mensalidades que ultrapassam os R$ 10 mil. A lógica da expansão segue critérios de viabilidade econômica e jurídica mais do que indicadores de qualidade educacional. Em 2024, o MEC registrava 294 processos para abertura ou ampliação de cursos, dos quais 184 estavam em tramitação judicial, com destaque para estados como São Paulo, Minas Gerais e Bahia.

Por outro lado, a concorrência para ingressar em medicina caiu vertiginosamente: de 46,5 candidatos por vaga em 2014 para apenas 18,8 em 2023. Nas instituições privadas, a relação caiu ainda mais: apenas 7,17 candidatos por vaga, contra 68,5 nas públicas. Isso aponta para uma saturação na oferta, levantando dúvidas sobre o futuro do mercado médico e, principalmente, sobre a qualidade da formação dos novos profissionais.

A reflexão que se impõe é clara: formar mais médicos não é, necessariamente, formar bons médicos. A quantidade crescente de vagas não tem sido acompanhada de políticas rigorosas de avaliação, supervisão e suporte pedagógico. O aumento desenfreado pode, inclusive, mascarar déficits de distribuição e acesso a especialidades cruciais.

Por falar nisso, a escolha das especialidades também segue tendências preocupantes. As áreas com maior número de especialistas ainda são Clínica Médica (12,4%), Pediatria (10%) e Cirurgia Geral (7,8%). Enquanto isso, especialidades estratégicas como Medicina de Família e Psiquiatria permanecem deficitárias, mesmo com crescimento expressivo nos últimos anos..

A formação médica não pode se tornar um produto de prateleira. É preciso compromisso com a excelência, responsabilidade com os futuros pacientes e seriedade nas diretrizes regulatórias. Expandir o acesso é desejável — mas sem perder de vista que a medicina não é só diploma: é formação humana, técnica e ética. Afinal, como sustentar um sistema de saúde público ou privado com milhares de médicos recém-formados, mas mal preparados?

A verdadeira urgência não é apenas formar mais médicos. É formar melhores médicos, nos lugares certos, nas especialidades mais necessárias. O futuro da medicina brasileira não depende do número de escolas abertas, mas da qualidade dos profissionais que elas colocam no mundo.

Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

#06 - O gesto de Pedro Arieta e as lições para a saúde coletiva

Durante a Maratona de Boston de 2025, o brasileiro Pedro Arieta protagonizou um momento que transcende o esporte: ao se deparar com o corredor americano Shawn Goodwin caído e sem forças na reta final, Pedro interrompeu sua corrida — mesmo estando prestes a bater sua meta pessoal de 2h40 — para ajudá-lo a cruzar a linha de chegada. Ele completou a prova em 2h41, mas saiu dela com algo muito maior: o reconhecimento por sua empatia e espírito coletivo.

Esse gesto ressoou profundamente entre profissionais da saúde, pois reflete valores essenciais da prática médica: solidariedade, trabalho em equipe e compromisso com o bem-estar do outro. Em um ambiente onde a pressão por metas, produtividade e competitividade é constante, a atitude de Pedro nos lembra que cuidar é, antes de tudo, um ato humano.

Na saúde, como na maratona, ninguém chega longe sozinho. A formação médica e o exercício da profissão exigem colaboração, escuta ativa e apoio mútuo. Quando um colega tropeça — seja por sobrecarga, adoecimento ou insegurança — é nossa responsabilidade estender a mão. Não se trata apenas de ética, mas de construir um sistema mais justo, seguro e sustentável para todos.

Que o exemplo de Pedro Arieta inspire não apenas corredores, mas também estudantes, residentes e profissionais da saúde a valorizarem mais o coletivo do que a performance individual. Porque, no fim das contas, a verdadeira linha de chegada é aquela que cruzamos juntos.

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Texto escrito por Pedro Henrique M. Braga

💬 Fechamento

Entre debates sobre ética digital, exames de proficiência, novas doenças e gestos de empatia, esta edição do Med Jornal P12 buscou lançar luz sobre o que realmente importa na formação médica: o olhar humano, crítico e comprometido com a saúde em todas as suas dimensões.

A medicina do futuro começa agora — nas escolhas que fazemos, nos temas que discutimos e na maneira como nos posicionamos diante de um mundo em constante transformação.

Obrigado por nos acompanhar até aqui.
Nos vemos na próxima edição.
Com respeito, ciência e reflexão,

Bem-vindo ao futuro do aprendizado em Medicina!

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